domingo, 22 de abril de 2012

Brasil: Em defesa dos direitos das comunidades quilombolas –Pronuciamento de Ivan Valente (PSOL-SP) na Câmara dos Deputados


Senhor Presidente,senhoras e senhores Deputados,

Após oito anos de tramitação,o Supremo Tribunal Federal deve julgar hoje (18/04) a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239,movida pelo DEM,contra o Decreto 4887/2003,que disciplina a titulação dos territórios quilombolas no país.

Centenas de quilombolas,de todas as regiões brasileiras,organizados pela Frente Nacional em Defesa da Titulação dos Territórios Quilombolas,junto com entidades e organizações do movimento negro,estão aqui em Brasília.

Vieram lutar para que o Judiciário brasileiro reconheça seus direitos e a constitucionalidade do decreto que disciplina e regulamenta os processo de demarcação e homologação de seus territórios ancestrais.

Em várias capitais e cidades do país também acontecem vigílias em apoio à luta dos quilombolas. Desde o dia 14 de abril,o movimento tem promovido encontros e debates para sensibilizar o Executivo e o Legislativo. Hoje,concluirão sua jornada de lutas junto ao Judiciário. Realizarão um grande ato,hoje,em frente ao STF,exigindo que a ADIn seja rejeitada.

É importante destacar que,mais uma vez,os Democratas recorrem à nossa Corte Suprema para negar direitos ao povo negro. Desta vez,no entanto,o fazem a serviço dos interesses dos setores ruralistas,do agronegócio e do latifúndio,que tanto já marcou a história dos afrodescendentes em nosso país. A ADIn contesta a regulamentação das terras quilombolas por meio de decreto presidencial. De acordo com a Constituição,essa é uma atribuição do Poder Executivo.

Mas o DEM defende que a demarcação dessas terras passe pelo Congresso Nacional. O DEM também questiona o princípio do autorreconhecimento para identificação de quilombolas,assim como a possibilidade de a comunidade apontar os limites de seu território.

A justificativa jurídica é que o decreto presidencial invade a esfera reservada à lei e disciplina procedimentos que implicarão aumento de despesa,como o que determina a desapropriação,pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),de áreas de domínio particular para transferi-las a essas comunidades.

A verdade,no entanto,é que trazendo para o Congresso o processo de titulação de terras quilombolas,o poder político e econômico dos ruralistas terá muito mais espaço para agir,barrando,postergando e evitando novas titulações,para que o território esteja livre para o avanço da fronteira agrícola.

Atualmente,apenas 193 comunidades têm o título de propriedade. De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo,esse número representa 6% da totalidade de comunidades estimadas (cerca de 3 mil).

A lógica que está por trás desta ação do DEM é a mesma que vimos prevalecer nesta Casa no debate do Código Florestal:reduzir as Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal para ampliar a pecuária e a monocultura exportadora sobre nossas florestas. Qualquer semelhança com os tempos de colonização,quando o povo negro foi escravizado por estes mesmos senhores,não é mera coincidência.

E,já contando com uma possível derrota no Supremo,a bancada ruralista já propôs aqui na Câmara a PEC 215/00,que foi recentemente aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A PEC tem exatamente este objetivo:transferir para o Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação e homologação de terras quilombolas,e também de terras indígenas e de áreas de conservação ambiental.

O resultado dessas iniciativas,além da clara redução da demarcação de terras indígenas,quilombolas e de áreas de conservação ambiental,será também o crescimento da violência no campo. Grande parte dos conflitos hoje existentes é causada pela não garantia da titulação desses territórios.

Neste sentido,também denunciamos a violência do latifúndio e a perseguição a lideranças quilombolas,assim como as políticas de expulsão de comunidades quilombolas inteiras para atender os interesses de latifundiários e especuladores privados.

Esperamos então que o ministro Cezar Peluso,relator do processo e também é presidente do STF,e que os ministros do Judiciário brasileiro reconheçam os direitos do povo negro a permanecerem nos territórios ocupados por seus ancestrais,que foram fundamentais para a construção do nosso país. Declarar inconstitucional um decreto que,em sua essência,apenas regulamenta um direito já garantido pela Constituição de 88 seria cometer mais um erro histórico com essas comunidades e com o conjunto do povo brasileiro.

Registro então o apoio do nosso mandato e do Partido Socialismo e Liberdade à luta dos quilombolas em todo o país,reafirmando nosso compromisso em defender o direito à posse coletiva destes territórios. Somos parceiros nesta luta!

Muito obrigado.

Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP

Brasília,18 de abril de 2012.